“Era preciso aprender a desaparecer, a fomentar autonomia.” [José Pacheco, 2020]
Houve um tempo em que meus alunos universitários não me requisitavam mais. Faziam aquele burburinho, se movimentavam pela sala de aula, alguns se exaltavam no tom de voz, eram gargalhadas e muitas histórias… e como eles batiam papo.
Eu amava observá-los. Era encantador vê-los se divertindo, adquirindo conhecimento e produzindo projetos, tudo ao mesmo tempo.
Quando me sentia entediada, eu pedia a palavra e falava: “Hey galera! Alguém pode me perguntar alguma coisa? Compartilhar uma angústia? Estou me sentindo inútil aqui sentada no cantinho”. Eu morria de rir… Os “moleques” davam risada, me ignoravam e continuavam a trabalhar em seus projetos, com suas investigações, a interagir entre os grupos e a pedir e oferecer ajuda aos colegas. Alguns saiam da sala a procura de outros professores especialistas em algo especifico que buscavam. Era como um Ballet, e do tipo moderno.
Minha sala de aula vivia de porta aberta, pois qualquer um poderia sair em busca de ajuda, assim como qualquer um era bem vindo a entrar de passagem, ou ficar e interagir. Alguns alunos “turistas” entravam para ver o que acontecia. Eu escutava algumas perguntas como: “O professor de vocês faltou? Vocês não vão ter aula?”.
Para entrar na minha sala, não era preciso pedir licença ou desculpas por interromper a professora, pois normalmente eu estava sentada em qualquer lugar, com algum grupo batendo papo, ou apenas contemplando o processo, camuflada entre os alunos.
Por vezes, em horário de aula, eu saia da sala, passeava pela universidade ou ia ao supermercado vizinho.
Até que um dia, tive a ideia de ir à coordenação. De mãos abanando, com sorriso maroto no rosto, entrei na sala da Graziela, minha corajosa coordenadora, sentei na frente de sua mesa e disse: “Eles estão trabalhando. Eles não precisam de mim. Eu estava sobrando na sala e vim bater papo.”.
Desta forma, eu dava espaço para a troca entre os alunos. Eles pesquisavam e buscavam soluções de forma autônoma. Se eu ficasse em sala, eles continuariam achando que a resposta estaria em mim.
Minha fama era que eu não dava respostas. Era muito engraçado quando aparecia um novato e resolvia me fazer uma pergunta conceitual, os veteranos logo iam dizendo: “não adianta, ela não vai te responder, ainda vai encher sua cabeça de perguntas e indicar um livro”. A minha rotina erra essa, mesmo ficando dentro da sala de aula, eu desaparecia,
Minha coordenadora sabia que eu não dava aula (nos moldes tradicionais), mas entendia que eu jamais negligenciaria a aprendizagem de meus alunos. Ao contrario, ela disse que sempre via resultados melhores com o desenvolvimento de projetos e sabia que eu era super exigente e cobrava produção e muita qualidade.
Toda produção aparecia em exposições pelas paredes da universidade. Foram dezenas de eventos, quase todo mês inventávamos um ou dois. Aqueles alunos agitavam e faziam daquele prédio um espaço vivo e em movimento. Eram alunos que viviam tendo ideias e para uma ideia sair do papel, bastava um “Bora, vamos fazer? Precisamos pedir ajuda”. E assim transitávamos entre os cursos de Design Gráfico, Publicidade, Jornalismo, Arquitetura, Engenharia, Processos Gerenciais, Pedagogia e Artes Visuais.
No fundo, no fundo, Graziela achava divertido. No entanto, ela precisou ser muito audaciosa, pois a autonomia exige responsabilidade, e por conta disso ela enfrentou situações bem complicadas. Muitos alunos rejeitavam a autonomia por conta do peso da responsabilidade e resistiam a quebra dos moldes educacionais de uma universidade tradicional, conteudista e apostilada. Eles chegavam a pedir aula – Ohhh Pai perdoa-lhes, porque não sabem o que pedem.
Era muito divertido desaparecer e contemplar a autonomia dos alunos, e o aprender fazendo no coletivo.
Gratidão enorme Graziela,
Você permitiu que eu não precisasse mais abafar o fato de que eu não dava aula, não seguia as apostilas, não usava Power Point e não aplicava prova quando possível.
Por conta dessa permissão, os projetos discretos que antes ficavam restritos ao espaço da sala de aula, acabaram ocupando toda a universidade, envolvendo outros professores, cursos e unidades. Foi um processo contagiante e quando nos demos conta, tínhamos um movimento enorme acontecendo, desenvolvendo projetos incríveis, interdisciplinares e transdisciplinares, com alunos autônomos e felizes.
A autonomia dos meus alunos só aconteceu, porque você me deu autonomia para desaparecer.
Valeu!