Os alunos estão desinteressados porque as escolas e universidades estão muito chatas? Ou as escolas e universidades estão muito chatas porque os alunos estão desinteressados?
Não consigo passar uma semana, sem soltar algum discurso encorajador para meus alunos.
Do tipo;
– Vocês precisam se perceber pertencentes ao processo de aprendizagem;
– Para chegar até a Zona de Aprendizagem, vocês terão que sair da Zona de Conforto e aguentar passar pela Zona do Medo;
– Sejam protagonistas no processo de aprendizagem;
– Livrem-se da Síndrome da Gabriela;
– Desenvolvam autonomia e autoresponsabilidade;
– Vocês precisam ler livros para adquirir libertadores conhecimentos aprofundados;
– Vocês precisam se esforçar para conquistar seus sonhos.
– Ninguém vai te pagar um bom salário pelas suas intenções, mas por seus resultados.
Eu grito no vácuo e não encontro ressonância, mas sou repetitiva, insistente, persistente e resistente.
A minha angústia surgiu exatamente por este tipo de discurso não encontrar acolhimento entre a maioria dos alunos. Resolvi ir à busca de informações e pedir ajuda aos universitários e ex alunos para levantamento de hipóteses sobre este fenômeno.
Minha primeira pergunta aos jovens foi: O que os professores falam de vocês?
As respostas me surpreenderam enormemente.
A primeira aluna respondeu de pronto. Bateu a mão na mesa, deu uma gargalhada alta jogando a cabeça para trás e disse: “ Eu sei o que vocês falam de nós. Vocês vivem dizendo que somos desinteressados e que não queremos aprender nada.”
Arregalei os olhos e perdi o fôlego. Caramba… aquela menina sabe a verdade. Como pode?
Olhei bem nos olhos dela e disse: “Bingo! Como você sabe disso?”
Ela suspirou rindo sem graça e disse: “Pois é só isso que vocês falam para a gente.”
E nessa linha, escutei muitas outras respostas: “Que somos preguiçosos; Que não queremos nada; Que vivemos apáticos; Etc.”
Depois de escutá-los, parti para a segunda pergunta: Onde mora a dificuldade de entender o que os professores falam com o intuito de encorajá-los?
Para transpor essa barreira, eu deveria entendê-la, e não somente pelo meu ponto de vista, mas também pelo ponto de vista dos alunos.
Em uma construção coletiva, nasceram as 6 hipóteses para a epidemia de alunos desinteressados.
- ZONA DE CONFORTO
Há os alunos que estão na Zona de Conforto, sabem disso e amam (como todos nós) o “melhor lugar do mundo”. São aqueles alunos que vão para a faculdade para assistir filme no Netflix, ou jogar joguinhos durante a aula. Outros vão sem levar nem uma caneta, pois estão de turistas. Também tem aqueles que estão em sala de aula para comer, fazer as unhas, as sobrancelhas, bater papo com o colega ou pelo WhatsApp. Estão de corpo presente, mas a mente nunca os acompanha.
Outro grupo é de alunos que estão na Zona de Conforto, mas não fazem a menor ideia que estão ali. Foram colocados neste lugar por um sistema social e educacional, dominado por governos desejosos por uma população ignorante, pois assim seria uma molenga massa de manobra. Fazer o controle de massas de um povo intelectualmente desenvolvido e pensante não seria nada fácil.
- FALTA DE FERRAMENTAS DE COMPREENSÃO
O nosso sistema educacional, predominantemente tradicional, por vários motivos é comprovadamente falho. É uma educação em linha de montagem, padronizada, seriada, conteudista, com foco na memorização de volume de respostas mecânicas. Prioriza a reprodução do pensamento já pensado. Despreza os quatro pilares da Educação da UNESCO, onde um deles é o aprender a aprender, não há espaço para contestar teorias, basta decorá-las e reproduzi-las na prova. Nada de criatividade, novas hipóteses ou desenvolver pensamentos complexos.
Muitos jovens chegam à universidade sem a menor estrutura cognitiva para a compreensão de um pensamento complexo, quem dirá o desenvolvimento de um.
Sendo assim, pedir para um aluno ler 3 livros de autores diferentes e desenvolver um pensamento que cruze as três teorias, torna-se algo surreal. O aluno não entende nem o que está sendo solicitado. Ele não teve essa estrutura desenvolvida no tempo de escola.
- BARREIRA VELADA
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” [Paulo Freire]
É com grande pesar que revelo uma dolorosa verdade de nossa educação: Muitos professores de Educação Infantil, Fundamental I e Fundamental II são grandes tiranos opressores, que dominam de forma raivosa seus alunos. Essa maldade se estende pelo Ensino Médio e até as universidades, mas em menor intensidade.
Não coloco todo o peso desse desequilíbrio nos professores, pois o sistema contribui com salas muito cheias, falta de estrutura e baixos salarias que desgastam o emocional dos professores.
Dois exemplos: Tiranias como deixar um menininho de 2 anos passar o dia inteiro choroso, com vergonha por estar com as calças molhadas para aprender a não fazer mais xixi nas calças, até o garotinho de 11 anos que foi obrigado a copiar no caderno os enunciados e respostas de todos os exercícios da apostila, somente por ter uma apostila de segunda mão, que caprichosamente foi toda apagada por sua mãe.
A imposição de fazer e estudar o que não se quer, gera uma repulsa a escola e a figura do professor.
As consequências residuais desse sistema, são jovens com um filtro que destorce sua escuta. Tudo que o professor pede, que exigirá algum esforço do aluno, ele irá entender como um castigo, uma punição ou uma vingança. Ele dificilmente entenderá que naquela atitude do professor há empatia.
- FALTA DE FOCO
Hoje os alunos tem um universo de distrações na palma da mão. O celular treme, acende, emite som, abre janelinhas o tempo todo. Tudo muda em 3 segundos. Como dar atenção a um processo de aprendizagem que irá demandar 3 horas de foco, com pesquisas, leituras, discussão, elaboração de rascunhos e textos?
A não participação dos alunos na elaboração dos temas e projetos, os descola do processo. Os temas são impostos, os alunos não conseguem contemplar a utilidade dos saberes fragmentados e não se percebem pertencentes ao processo de aprendizagem.
Os alunos acostumados pelas escolas com o sistema bancário, onde o professor detentor dos saberes, deposita o conhecimento nos alunos, feito esteira de linha de montagem, onde o aluno só precisa estar de corpo presente, que automaticamente estará recebendo o que acredita que foi buscar.
- PRIORIZAÇÃO
Problemas pessoais; problemas na família; o jogo de futebol do seu time; a cerveja; o bar; a bebedeira; problemas de saúde; o show da sua banda favorita; desgaste emocional; o trabalho; problemas financeiros; o bar; a necessidade de um tênis novo; a violência no mundo; mais um desastre ambiental; o jantar; o bar; o governo é corrupto; os altos impostos; mais um assassinato não solucionado; a viagem de férias; o roubo do celular; comprar um novo celular; o aniversário de namoro; contas para pagar; o bar; o joguinho, a série; o filme… e depois de tudo isso, com bastante bar, vem a faculdade, que se der para levá-la da forma mais leve possível e sem dor de cabeça, melhor. Sem trabalhos complexos, sem leituras, sem esforço, sem cálculos, sem fadiga, por favor, pois há outras prioridades que tomam o tempo dos alunos.
- FILTRO POR GOSTAÇÕES
Assim como cada pessoa é única, suas preferências e gostos também são únicos.
Tratar todos os alunos como massa homogênea, onde todos tem que aprender as mesmas coisas, ao mesmo tempo, no mesmo ritmo, com a mesma intensidade e profundidade, é loucura.
Esse desrespeito à individualidade dos alunos, fez com que a educação padronizada nunca tenha funcionado e nunca funcionará, nem nas escolas, tão pouco nas universidades.
Que a educação cumpra o seu papel de libertadora.
Que os alunos tenham consciência e força para lutar contra esse sistema que os aprisiona na ignorância controlada.
Aos professores que ainda encontram vida dentro de si, que acreditem que vale a pena e é possível encorajar alunos.
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