Eu tinha apenas uma chance para desestabilizar aqueles alunos.
Entrei na sala de aula, com a segurança de quem estava na sala correta… mas aqueles alunos me olharam espantados, certos de que eu estava na sala errada. Não estava. Sorrindo eu disse: “A prof de vocês está dodói e eu estou aqui para substituí-la e passar uma tarefa para vocês.”
Rolou um burburinho, entre olhares vi sorrisos e em outros vi testas franzidas.
Assim que passou aquele pequeno tumulto, ao invés de me direcionar até a lousa e copiar a tarefa da professora, eu pensei em investir um pouco de meu tempo naqueles jovens, resolvi provocá-los, testar o comodismo, o protagonismo, a autonomia, quem sabe desestabilizá-los ou com muita sorte tirar alguns da zona de conforto.
Calmamente me aproximei dos alunos e com voz mansa comecei a perguntar: “Vocês são futuros jornalistas? Devem ser bons questionadores, correto? Eu estou aqui neste momento, o que vocês gostariam de saber sobre mim? Podem fazer qualquer pergunta.”
Como em um passe de mágica, eles emudeceram. Foi um silêncio sepulcral. Eram mais de 60 alunos, a um semestre e meio de receber o diploma de jornalismo e não conseguiram formular uma pergunta simples? Nem meu nome eles perguntaram.
Franzi a testa, elevei um pouco o tom da minha voz e repeti a provocação: “Estarei com vocês a aula toda. Sou estranha para todos vocês. O que querem saber sobre mim?”
Em meio a tímidas perguntas, que foram desencadeadas por um aluno que perguntou meu nome, eis que surge A CHANCE… Um aluno, nitidamente incomodado com o sistema educacional e sedento em ter o meu aval para colocar a culpa de seu suposto fracasso (e de seus colegas) na instituição de ensino e seus professores, faz uma longa, detalhada e complexa pergunta, que posso resumir em: “A instituição de ensino sabe que o mercado de trabalho não irá absorver todos nós, por isso ela só quer que a gente termine logo o curso. Você concorda comigo professora?”
Neste momento, eu precisava ser assertiva, para ganhar a atenção da sala. Contrariando a expectativa de todos, com voz firme eu disse: “SIM, a instituição sabe que a maioria não será absorvida pelo mercado de trabalho”. Dei uma longa pausa, respirando fundo como se eu estivesse pensando longe e completei: “… mas vamos pensar um pouco mais sobre o porquê o mercado não irá absorvê-los? Vocês estão na reta final do curso (7º semestre)… Quantos de vocês têm um blog com textos que demonstrem o estilo de jornalista que vocês serão? (Ninguém levantou a mão) Quantos de vocês montou um portfólio ao longo desses 7 semestres de universidade? (Ninguém levantou a mão)” E assim fui fazendo perguntas, com grau cada vez mais baixo de exigência e ninguém levantava a mão. Terminei perguntando, quantos tinham um currículo no Linkedin atualizado e lembro que uns 3 ou 4 alunos levantaram a mão.
Neste momento, era nítido que a turma ficou estarrecida ao perceber que a apatia e o comodismo de cada um, foi responsável por trazê-los até o 7º semestres, sem produzir material em pró da estruturação de seu futuro profissional.
Era hora de eu parar com as provocações.
Levantei-me e coloquei a tarefa na lousa. Todos fizeram a tarefa, me entregaram e foram embora.
Tempos depois, o aluno que fez a pergunta chave me contatou e me convidou para um Podcast, o primeiro de seu canal. O tema foi educação e o motivador foi a breve conversa que tivemos em sala de aula.
Segue o link do Episódio #1 – O Ensino Médio Não Te Preparou – Episódio de Deixando a Desejar:
https://open.spotify.com/episode/7c4AbjtNmBhHLvhuUNy511?si=c905YjybQcS_i0MbkBerxw
O resultado foi encantador…
Se eu provoco 60 alunos, desestabilizo muitos e consigo tirar algum da zona de conforto, me sinto realizada.
Gratidão enorme Alan Coelho – Desejo muito sucesso em seu canal e sua carreira como jornalista.