
Contexto Geral
A justiça automatizada representa a aplicação de IA para a realização de atividades judiciais, como triagem de processos, análise de provas e até sugestões de decisões em casos de baixa complexidade. Essa inovação poderia trazer agilidade ao sistema judicial, que enfrenta sobrecarga de processos e elevados custos operacionais. No entanto, para que a IA seja utilizada de forma segura e eficiente no Judiciário, é preciso avaliar os desafios éticos e técnicos, considerando também a preservação dos direitos fundamentais.
1. Introdução
A crescente digitalização dos processos sociais tem impulsionado inovações tecnológicas em diversas áreas, incluindo o setor jurídico. A justiça automatizada, termo que designa a aplicação de sistemas de Inteligência Artificial (IA) para executar ou apoiar atividades judiciais, vem ganhando atenção em discussões acadêmicas e institucionais. Esses sistemas podem não apenas facilitar o acesso à justiça, mas também revolucionar a maneira como os litígios são conduzidos, processados e julgados.
1.1 Contextualização da Justiça Automatizada
A ideia de um sistema judicial parcialmente ou totalmente automatizado pode parecer futurista, mas já existem iniciativas pioneiras em alguns países. Esses sistemas são capazes de processar petições, analisar provas e até emitir decisões em casos de baixa complexidade, como pequenas causas ou disputas administrativas. A IA pode acelerar a resolução de processos, reduzir o acúmulo de demandas nos tribunais e ampliar o acesso à justiça para cidadãos que, de outra forma, não teriam condições de arcar com os custos de litígios.
No entanto, a automação da justiça não está isenta de desafios. Questões éticas surgem quando se considera que um algoritmo pode substituir ou auxiliar juízes em tarefas de alta responsabilidade, como a interpretação de provas e a aplicação de leis. Além disso, a confiança em sistemas de IA levanta preocupações sobre transparência, imparcialidade e segurança de dados. A possibilidade de decisões enviesadas por falhas nos algoritmos e a desumanização do processo judicial são pontos centrais nesse debate.
Em paralelo, há a necessidade de adaptações legislativas que permitam a inclusão da IA no sistema jurídico de maneira compatível com os princípios constitucionais e processuais. As bases jurídicas vigentes foram elaboradas tendo o ser humano como elemento central na tomada de decisões judiciais, o que exige uma reavaliação normativa para garantir que a inclusão da IA não comprometa direitos fundamentais, como o devido processo legal e a ampla defesa.
1.2 Relevância do Estudo
Este estudo é relevante porque aborda um dos temas mais inovadores e disruptivos do direito contemporâneo: a implementação de tecnologias de IA no judiciário. A justiça automatizada oferece a possibilidade de democratizar o acesso ao sistema judiciário, aumentando a eficiência e reduzindo a carga de processos, mas também impõe novos desafios. A aplicação da IA nas decisões judiciais necessita de um olhar crítico e detalhado sobre os impactos na imparcialidade, no equilíbrio entre a automação e a intervenção humana, e nos direitos individuais.
A discussão sobre a justiça automatizada é central não apenas para juristas, mas também para analistas de sistemas e desenvolvedores de IA, que precisam trabalhar em conjunto para criar soluções tecnológicas compatíveis com as exigências éticas e legais do ambiente jurídico. Este estudo visa, portanto, preencher lacunas sobre como essas tecnologias podem ser implementadas sem comprometer os pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.
A relevância deste trabalho está também na análise de como a Inteligência Artificial pode se tornar uma ferramenta essencial no enfrentamento do crescente número de processos e da morosidade judicial, mantendo sempre o foco na preservação dos direitos humanos e na garantia de que o papel do juiz não seja completamente substituído, mas, sim, complementado por tais inovações tecnológicas.
2.Objetivos
2.1 Objetivo Geral
O objetivo geral deste estudo é analisar as potencialidades e limitações da implementação de um sistema de justiça automatizada por meio da utilização de Inteligência Artificial (IA) no judiciário. A pesquisa busca explorar como essa tecnologia pode melhorar o acesso à justiça, otimizar a resolução de litígios de baixa e média complexidade, e garantir decisões mais rápidas e imparciais. Ao mesmo tempo, o estudo pretende identificar os principais desafios jurídicos, éticos e técnicos associados à inserção de IA em um sistema judicial, que tradicionalmente depende da atuação humana para a interpretação das leis.
2.2 Objetivos Específicos
Explorar o impacto da IA no acesso à justiça: Analisar como a IA pode contribuir para a democratização do sistema judiciário, permitindo que cidadãos sem recursos financeiros ou sem conhecimentos jurídicos possam ingressar e conduzir ações de maneira eficiente e acessível.
Avaliar a viabilidade da automação em diferentes tipos de litígios: Verificar a adequação da automação judicial em processos de menor complexidade, como disputas de consumo, pequenas causas e questões administrativas, em contraste com os desafios apresentados por casos mais complexos que exigem análise subjetiva.
Examinar as implicações éticas da justiça automatizada: Identificar e discutir os principais dilemas éticos envolvidos na utilização de IA no processo judicial, incluindo os riscos de vieses algorítmicos, a desumanização das decisões e a responsabilidade por eventuais erros cometidos por sistemas automatizados.
Estudar as adaptações legislativas necessárias: Propor alterações na legislação brasileira, em especial na Constituição Federal e nos Códigos de Processo Civil e Penal, que permitam a integração de sistemas automatizados no judiciário de forma compatível com os direitos fundamentais e as garantias processuais.
Analisar a segurança e a privacidade de dados: Considerar como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e outras normas de proteção de dados pessoais podem ser aplicadas e adaptadas para garantir a segurança das informações sensíveis processadas por sistemas de IA no judiciário.
Propor um modelo híbrido de decisão judicial: Sugerir a implementação de um sistema híbrido, onde a IA possa atuar em conjunto com juízes humanos, em um formato que mantenha a eficiência da tecnologia sem comprometer a subjetividade e a humanidade necessária em determinadas decisões judiciais.
3.Metodologia do estudo
A metodologia utilizada neste estudo combina pesquisa bibliográfica e análise de casos, com o objetivo de fundamentar a discussão teórica e aplicar os conceitos em cenários reais. A abordagem qualitativa será predominante, com foco em descrever e interpretar as possibilidades e os limites da automação no contexto judicial.
3.1 Revisão Bibliográfica
A pesquisa bibliográfica será conduzida com base em literatura especializada sobre Inteligência Artificial no Direito, justiça automatizada, ética tecnológica, e proteção de dados. Serão consultados livros, artigos acadêmicos, publicações em conferências, bem como relatórios e normas jurídicas nacionais e internacionais que tratam da aplicação de IA em sistemas judiciais. Entre as fontes consultadas, destacam-se autores que discutem o impacto da tecnologia na sociedade, como Santos (2023) e Oliveira (2022), além de legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
3.2 Análise de Casos
A metodologia também envolverá a análise de casos reais em que a IA foi utilizada em contextos judiciais, em especial na Estônia e no Canadá, onde há experimentos em curso sobre a automação de decisões judiciais. Serão examinados os resultados obtidos nesses países, observando como a tecnologia foi integrada ao sistema e as respostas dos profissionais do direito e das partes envolvidas nos processos.
3.3 Discussões em Seminários e Conferências
Adicionalmente, serão consideradas discussões recentes em seminários e conferências sobre tecnologia e direito, incluindo eventos focados na aplicação de IA no setor jurídico e nos desafios regulatórios emergentes. Esses debates são essenciais para compreender como os especialistas da área estão projetando o futuro da justiça automatizada.
Através dessa metodologia, espera-se obter uma compreensão ampla e fundamentada sobre os caminhos possíveis para a implementação da IA no judiciário brasileiro, levando em conta as melhores práticas internacionais e as exigências do sistema legal e ético nacional.
4. Desafios Éticos e Técnicos na Implementação da IA no Judiciário
A implementação de Inteligência Artificial (IA) no sistema judicial, embora promissora, traz consigo uma série de desafios éticos e técnicos que precisam ser cuidadosamente considerados para garantir que a justiça automatizada funcione de maneira justa, eficiente e em conformidade com os princípios constitucionais. Esses desafios dizem respeito tanto à confiabilidade dos algoritmos quanto à segurança dos dados e à responsabilidade pelas decisões tomadas por sistemas de IA.
4.1 Viés Algorítmico e Imparcialidade
Um dos principais desafios éticos que surge com o uso de IA no Judiciário é o viés algorítmico. Algoritmos de IA são treinados com base em dados históricos, o que pode incluir decisões judiciais passadas que, por sua vez, podem refletir viéses sociais, econômicos ou raciais. Se os dados usados para treinar esses algoritmos forem enviesados, a IA pode replicar e até amplificar esses padrões de discriminação, comprometendo a imparcialidade das decisões judiciais automatizadas.
Por exemplo, estudos internacionais mostram que algoritmos usados para prever recidiva criminal nos Estados Unidos demonstraram viés racial, uma vez que os dados de treinamentos refletiam desigualdades históricas no sistema de justiça criminal. Esse tipo de viés é particularmente perigoso quando aplicado a decisões judiciais, pois pode gerar injustiças ao perpetuar estereótipos e preconceitos embutidos nos dados históricos.
Para mitigar esse risco, é essencial que os sistemas de IA passem por auditorias regulares e que sejam implementados mecanismos de controle para identificar e corrigir possíveis vieses. Além disso, a transparência no funcionamento dos algoritmos é fundamental. O Judiciário deve garantir que todas as partes envolvidas possam compreender o processo de decisão da IA e, se necessário, questioná-lo.
4.2 Desumanização da Justiça
Outro desafio ético central é o risco de desumanização da justiça. O processo judicial, em especial em casos que envolvem direitos fundamentais ou conflitos morais, requer uma análise que vai além da aplicação mecânica da lei. A IA, embora eficiente em decisões baseadas em dados objetivos, não possui a capacidade de compreender contextos emocionais, sociais ou morais, que muitas vezes influenciam as decisões judiciais.
A justiça automatizada, quando aplicada sem supervisão humana, pode desconsiderar os aspectos mais sutis e subjetivos de um caso, como o sofrimento emocional das partes, o impacto social da decisão, ou até mesmo questões de ética e empatia. Essa desumanização do processo judicial pode gerar decisões que, embora tecnicamente corretas, são injustas do ponto de vista humano.
Para evitar esse tipo de situação, é crucial que a automação no Judiciário seja limitada a casos de baixa complexidade, onde a análise objetiva dos fatos é suficiente, e que, em casos mais complexos, haja sempre supervisão humana para garantir que os elementos subjetivos e humanos sejam adequadamente considerados.
4.3 Segurança de Dados e Privacidade
A utilização de IA no sistema judiciário envolve o processamento de grandes volumes de dados pessoais, muitos dos quais são sensíveis e requerem proteção especial. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) já estabelece normas rigorosas sobre como dados pessoais devem ser tratados, e qualquer sistema automatizado que lide com dados judiciais deve estar em conformidade com essa legislação.
Entre os maiores riscos associados ao uso de IA está o vazamento de informações confidenciais ou a exposição indevida de dados pessoais durante o processo de coleta, armazenamento e análise das informações. Além disso, a centralização de grandes volumes de dados sensíveis em sistemas automatizados aumenta o risco de ciberataques, o que pode comprometer não apenas a segurança das informações, mas também a confiança pública no Judiciário.
Para lidar com esses riscos, é fundamental que sejam implementadas medidas de segurança robustas, como criptografia de ponta a ponta, armazenamento descentralizado de dados e o uso de tecnologias como o blockchain para garantir a integridade e a inviolabilidade dos registros judiciais. Além disso, é necessário estabelecer protocolos claros de responsabilização em caso de falhas ou vazamentos de dados.
4.4 Responsabilidade pelas Decisões Automatizadas
Um dos desafios técnicos mais complexos na implementação da justiça automatizada é a questão da responsabilidade por decisões incorretas ou injustas emitidas por sistemas de IA. Se um sistema automatizado tomar uma decisão errada — seja por falha no algoritmo ou por uma interpretação inadequada dos dados —, quem seria responsável? O desenvolvedor do algoritmo? O tribunal que autorizou seu uso? Ou o próprio sistema?
A falta de accountability nos sistemas de IA é uma preocupação séria. Sem mecanismos claros de responsabilização, as partes envolvidas em um processo podem não ter para quem recorrer em caso de erro judicial. Além disso, o controle humano sobre as decisões de IA deve ser sempre garantido, de modo que, em casos de dúvida ou erro, um juiz ou tribunal possa revisar a decisão e corrigir eventuais falhas.
Para mitigar esse risco, é essencial que os sistemas automatizados sejam transparentes e que haja mecanismos de revisão humana para todas as decisões automatizadas. Além disso, deve-se criar uma regulamentação clara que defina a responsabilidade jurídica em caso de erro, garantindo que as partes afetadas possam buscar reparação.
4.5 Transparência e Explicabilidade
Outro desafio crítico é garantir que as decisões emitidas pela IA sejam transparentes e explicáveis. Atualmente, muitos sistemas de IA operam como caixas-pretas, onde as decisões são tomadas com base em algoritmos complexos que não são facilmente compreensíveis por seres humanos. Isso pode ser problemático no contexto judicial, onde as partes têm o direito de saber como e por que uma determinada decisão foi tomada.
A falta de explicabilidade nas decisões de IA pode comprometer o princípio da motivação das decisões judiciais (artigo 93, IX da Constituição Federal), que exige que as sentenças sejam fundamentadas e compreensíveis. Para resolver esse problema, os sistemas de IA devem ser desenvolvidos de maneira que possam fornecer explicações claras sobre os fatores que influenciaram suas decisões, possibilitando que as partes envolvidas possam compreender o raciocínio por trás da decisão automatizada.
4.6 Mecanismos de Revisão e Supervisão Humana
A fim de garantir que a justiça automatizada funcione de maneira justa e ética, é imprescindível que sejam estabelecidos mecanismos de revisão e supervisão humana em todas as decisões automatizadas. Isso é particularmente importante em casos complexos, onde o julgamento humano é necessário para ponderar nuances e subjetividades que a IA não pode captar.
Esses mecanismos de revisão devem garantir que, em caso de erros ou inconformidades, as decisões possam ser revistas por um juiz humano, que teria a responsabilidade de emitir uma decisão final justa e adequada às circunstâncias do caso. Além disso, sistemas de feedback e auditoria contínua devem ser implementados para melhorar constantemente o desempenho e a imparcialidade dos algoritmos utilizados no Judiciário.
4.7 Conclusão dos Desafios
A implementação da IA no Judiciário, embora tecnicamente viável, enfrenta desafios éticos e técnicos substanciais que precisam ser resolvidos para que a justiça automatizada funcione de forma eficiente e justa. Questões como viés algorítmico, segurança de dados, transparência e responsabilidade pelas decisões são centrais para o sucesso desse modelo, e devem ser tratados com a máxima cautela para garantir que os direitos fundamentais dos cidadãos sejam preservados.
5. Base Constitucional e a Função do Juiz
A proposta de implementação de Inteligência Artificial (IA) como uma ferramenta de automação no sistema judicial brasileiro deve ser cuidadosamente analisada sob a ótica da Constituição Federal. O Brasil possui um arcabouço constitucional sólido, que estabelece o papel central do Poder Judiciário na garantia dos direitos fundamentais, sendo que qualquer modificação no modo como a justiça é administrada deve respeitar esses princípios.
5.1 Artigo 5º e o Direito de Acesso à Justiça
O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Esse princípio garante o direito de acesso à justiça a todos os cidadãos, um direito que não pode ser suprimido ou restringido, nem mesmo por inovações tecnológicas como a justiça automatizada. Assim, a introdução de sistemas automatizados de IA no judiciário precisa garantir que a imparcialidade e a justiça sejam preservadas, mesmo que a análise e decisão sejam realizadas por algoritmos.
Além disso, o devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, implica que qualquer decisão tomada pela IA deva respeitar os direitos ao contraditório e à ampla defesa. Isso levanta questões sobre como as partes poderiam contestar decisões automatizadas, se o julgamento feito por IA mantém a mesma legitimidade e se haverá a possibilidade de revisão judicial por um ser humano.
5.2 Desafios Constitucionais da Implementação de IA
Um dos principais desafios para a implementação de sistemas automatizados no Poder Judiciário diz respeito ao artigo 92 da Constituição, que define a estrutura do Judiciário e atribui a função jurisdicional exclusivamente aos juízes e tribunais. A IA, por sua própria natureza, não se enquadra como parte desse quadro institucional, uma vez que não se trata de um “órgão humano” capacitado a exercer a jurisdição, tal como previsto na legislação.
Para que um sistema de justiça automatizada possa atuar em qualquer nível jurisdicional, seria necessária uma revisão do artigo 92 e de outros dispositivos constitucionais, de forma a permitir que a IA possa exercer, ao menos em parte, a função de apoio ou substituição em casos de menor complexidade. Isso requer uma redefinição de quem pode ser considerado um “julgador” e uma reavaliação dos princípios da separação de poderes, previstos no artigo 2º da Constituição, que estabelece o Poder Judiciário como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Outro ponto importante é que, segundo o artigo 93, a nomeação de juízes segue critérios rigorosos de seleção e qualificação, o que não se aplicaria a sistemas de IA. Qualquer alteração constitucional nesse sentido precisaria definir com precisão os casos em que a IA poderia atuar, e quais seriam os limites dessa atuação, de forma a garantir que o processo continue a ser conduzido dentro dos marcos legais que garantem justiça, imparcialidade e equidade.
5.3 A Função do Juiz e o Impacto da IA
No contexto da justiça automatizada, a função do juiz vai além da mera aplicação da lei. Juízes exercem um papel interpretativo, considerando não apenas a literalidade da norma, mas também as circunstâncias sociais, econômicas e humanas que envolvem cada caso. Essa interpretação subjetiva é algo que os sistemas de IA, por mais avançados que sejam, ainda encontram grande dificuldade em realizar, já que trabalham com base em dados pré-existentes e padrões estabelecidos, sem a capacidade de analisar de forma empática ou contextualizada as nuances individuais de cada litígio.
A função do juiz, conforme estabelecida na Constituição e no Código de Processo Civil (CPC), exige uma atuação ponderada, fundamentada em princípios de razoabilidade e proporcionalidade. O artigo 131 do CPC prevê que o juiz apreciará as provas livremente, com base em critérios interpretativos, algo que a IA, por sua própria natureza, não poderia fazer de forma tão complexa. Além disso, no Direito Penal, o juiz deve considerar fatores como dolo, culpa e circunstâncias atenuantes ou agravantes ao emitir uma sentença, o que depende da análise subjetiva dos fatos (artigo 156 do Código Penal). A IA, por mais eficiente que seja na análise de dados, ainda encontra dificuldades em captar essas nuances humanas.
Portanto, embora a IA possa ser uma ferramenta valiosa no apoio à decisão judicial, especialmente em casos de menor complexidade, a sua substituição total da função humana de julgar enfrentaria barreiras jurídicas e constitucionais significativas, que requerem uma reavaliação profunda dos papéis de autoridade judicial e de processamento automatizado de decisões.
6. Alterações Legais Necessárias
Para que um sistema de justiça automatizado possa ser implementado de forma eficaz no Brasil, é necessário promover mudanças significativas no arcabouço legal vigente, incluindo adaptações constitucionais e modificações nos Códigos de Processo Civil e Penal. Essas mudanças devem assegurar que o uso da Inteligência Artificial (IA) respeite os princípios constitucionais fundamentais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, ao mesmo tempo em que se adaptam às exigências tecnológicas e operacionais da automação.
6.1 Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 estabelece os pilares que sustentam o Poder Judiciário e os direitos fundamentais dos cidadãos no acesso à justiça. Para que a justiça automatizada seja implementada de maneira ampla, serão necessárias algumas mudanças no texto constitucional, especialmente em relação à definição da jurisdição e à função dos juízes e tribunais.
6.2 Alteração do Artigo 92
O artigo 92 da Constituição define a estrutura do Poder Judiciário e estabelece que a jurisdição é exercida exclusivamente pelos tribunais e pelos juízes. Para permitir que a IA possa atuar no âmbito judicial, seria necessário modificar esse artigo, permitindo que sistemas automatizados realizem, sob supervisão humana, determinadas funções jurisdicionais, especialmente em litígios de baixa complexidade.
Proposta de alteração: “Os sistemas de Inteligência Artificial poderão atuar como ferramentas de apoio à atividade jurisdicional em processos de baixa complexidade, conforme regulamentação específica, garantindo sempre o direito à supervisão judicial humana.”
Essa mudança permitiria que a IA atuasse de maneira mais autônoma em processos repetitivos e de menor importância, sem comprometer a legitimidade das decisões mais complexas, que continuariam sob a jurisdição dos juízes humanos.
6.3 Inclusão de Dispositivo no Artigo 5º
O artigo 5º, que garante os direitos e garantias fundamentais, precisaria ser adaptado para incluir o uso da IA no processo judicial, assegurando que esse uso respeite os direitos ao contraditório e à ampla defesa. A inclusão de um novo dispositivo neste artigo poderia ser redigida da seguinte forma:
“É garantido o uso de sistemas de Inteligência Artificial nos procedimentos judiciais, desde que respeitados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com a possibilidade de revisão por autoridade judicial.”
Esse novo dispositivo constitucional seria essencial para garantir que o uso da IA no judiciário não viole os direitos fundamentais dos cidadãos e que, em casos de erro ou abuso, as decisões automatizadas possam ser revistas por um juiz.
6.4 Código de Processo Civil (CPC)
A introdução de sistemas de IA no Código de Processo Civil (CPC) deve ser realizada de forma cuidadosa, para que a automação não comprometa a qualidade e a equidade do processo judicial. As mudanças necessárias no CPC precisam regular como a IA será utilizada na análise de provas e na emissão de decisões preliminares.
6.5 Modificação do Artigo 131
O artigo 131 do CPC garante ao juiz a liberdade de apreciação das provas, levando em consideração princípios como a razoabilidade e a proporcionalidade. Para permitir a automação dessa análise, o artigo poderia ser modificado para incluir a possibilidade de que, em processos de menor complexidade, a IA realize uma análise prévia das provas, sujeita à revisão posterior por um juiz humano.
Proposta de alteração: “O juiz apreciará livremente as provas, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Nos casos de menor complexidade, a análise prévia das provas poderá ser realizada por sistemas de Inteligência Artificial, cabendo ao juiz a decisão final e a revisão de eventuais inconformidades.”
Essa modificação abriria caminho para o uso de IA na triagem e organização de provas, o que agilizaria a resolução de processos sem eliminar a intervenção humana nas decisões.
6.6 Código Penal
No Código Penal, as alterações devem ser focadas na introdução da IA em casos de crimes de menor gravidade, como contravenções penais ou crimes de menor potencial ofensivo, onde a intervenção de um juiz pode ser mais formal do que substantiva.
Inserção de Dispositivo no Artigo 156
O artigo 156 do Código Penal estabelece o dever do juiz de considerar as provas e os elementos subjetivos do crime ao emitir uma sentença. Embora a IA não possa substituir o juiz em casos complexos, sua aplicação pode ser viável em situações de menor gravidade, onde a análise é baseada em elementos objetivos. Um dispositivo adicional poderia ser incluído para permitir que a IA atuasse nesses casos, da seguinte forma:
Proposta de inserção: “Em crimes de menor potencial ofensivo ou contravenções, a análise e emissão de decisões preliminares poderão ser realizadas por sistemas de Inteligência Artificial, sendo garantido o direito à revisão humana.”
Essa alteração permitiria a utilização de IA para agilizar o julgamento de crimes menores, enquanto garantiria que, em casos de dúvida ou contestação, a decisão final sempre passasse por um juiz humano.
6.7 Regulamentação e Supervisão
Além das mudanças constitucionais e nos códigos processuais, é fundamental que a utilização de IA no Judiciário seja acompanhada de uma regulamentação clara. Essa regulamentação deve:
Estabelecer critérios para o uso da IA: Definir em quais tipos de processos a IA pode ser utilizada, quais funções podem ser automatizadas e quais continuam sendo exclusivas dos juízes humanos.
Garantir a supervisão humana: Mesmo em casos de menor complexidade, deve haver sempre a possibilidade de intervenção humana, tanto para revisar decisões quanto para corrigir eventuais falhas algorítmicas.
Criar mecanismos de controle e transparência: É necessário que as partes envolvidas no processo possam compreender como a IA chegou a uma determinada decisão e, se necessário, questioná-la em um ambiente seguro e transparente.
Proteção de Dados Pessoais: A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) deve ser rigorosamente aplicada para proteger as informações sensíveis processadas pela IA, garantindo que os dados dos cidadãos sejam utilizados de maneira ética e segura.
6.8 Conclusão das Alterações Necessárias
Para que a justiça automatizada seja implementada no Brasil de forma eficaz e ética, é necessário um esforço legislativo considerável. As mudanças propostas na Constituição, no CPC, no Código Penal e a criação de regulamentações específicas visam garantir que a Inteligência Artificial possa atuar no Judiciário sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos. A introdução gradual dessa tecnologia, especialmente em processos de baixa complexidade, pode proporcionar maior eficiência ao sistema judicial, desde que seja acompanhada por um rigoroso controle humano e legislativo.
7. A Necessidade de Presença Humana nas Decisões Judiciais
A introdução de Inteligência Artificial (IA) no sistema judiciário levanta uma questão fundamental: até que ponto as decisões judiciais podem ser delegadas a um algoritmo, sem comprometer a qualidade da justiça? O papel do juiz, conforme estabelecido pela legislação brasileira, vai além da simples aplicação mecânica da lei; ele envolve uma interpretação subjetiva dos fatos e das provas, considerando nuances humanas e sociais que dificilmente podem ser captadas por sistemas automatizados. Assim, a presença humana no processo decisório continua sendo um aspecto essencial, sobretudo em casos de maior complexidade.
7.1 Direito Civil e Penal: A Interpretação Judicial
No Direito Civil, o artigo 131 do Código de Processo Civil (CPC) define que o juiz tem a liberdade de apreciar as provas de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade. A função do juiz nesse contexto é mais do que uma análise objetiva dos fatos; ela requer que o magistrado considere as implicações subjetivas das ações das partes, o que inclui analisar intenções, motivações e circunstâncias atenuantes que não podem ser devidamente captadas por sistemas de IA. A análise das provas, muitas vezes, exige um entendimento da dinâmica social e das relações humanas, aspectos que são intrinsecamente humanos.
No âmbito do Direito Penal, a função do juiz é ainda mais delicada. O artigo 156 do Código Penal exige que o magistrado considere elementos subjetivos no julgamento, como o dolo (intenção de cometer o crime) ou a culpa (negligência ou imprudência), além de circunstâncias agravantes ou atenuantes. A avaliação dessas subjetividades é crucial para garantir que a decisão seja justa e adequada ao caso específico. A IA, embora eficiente em análises objetivas e padrões predefinidos, pode falhar ao captar essas nuances que envolvem a condição humana. Essa é uma das limitações mais críticas da aplicação da IA no contexto judicial: a incapacidade de compreender as complexidades subjetivas e éticas que permeiam cada litígio.
7.2 Limitações da IA na Análise de Subjetividades
A Inteligência Artificial trabalha com grandes volumes de dados e jurisprudências passadas para identificar padrões e emitir decisões. Contudo, sua lógica de funcionamento é algorítmica e determinística, o que significa que ela se baseia em decisões previamente tomadas e não em uma capacidade criativa ou empática para lidar com novos casos de maneira inovadora. A análise de subjetividades – aspectos emocionais, éticos, psicológicos ou sociais – é algo que a IA não pode realizar de forma autônoma. Isso é particularmente relevante em casos que envolvem questões morais, como disputas familiares, violência doméstica ou crimes com grande impacto social.
Mesmo os algoritmos de IA mais sofisticados, como aqueles utilizados em aprendizado profundo (deep learning), enfrentam limitações ao lidar com dados que envolvem contextos humanos amplos e complexos. Por exemplo, um sistema de IA pode ser programado para reconhecer padrões em sentenças de divórcio ou em ações de indenização, mas dificilmente seria capaz de lidar com o sofrimento emocional ou as dinâmicas de poder presentes em um relacionamento abusivo, algo que um juiz humano poderia captar ao ouvir as partes envolvidas.
A interpretação judicial muitas vezes envolve ponderar valores contraditórios e chegar a uma solução que, além de legal, seja moralmente aceitável dentro de um contexto social específico. Esse tipo de interpretação demanda empatia, bom senso e uma leitura crítica das situações, elementos que, até o momento, não podem ser replicados por um sistema automatizado. A justiça, em seu sentido mais pleno, não pode ser reduzida apenas a uma análise técnica das normas, mas deve incluir uma perspectiva humanística, algo que se perde na automação.
7.3 A IA como Ferramenta de Apoio, Não de Substituição
Dado que a subjetividade é uma característica essencial das decisões judiciais, a IA deveria ser utilizada como uma ferramenta de apoio ao processo judicial, em vez de substituir completamente o papel do juiz. Em processos de menor complexidade – como demandas repetitivas, pequenas causas ou execuções fiscais – a IA pode desempenhar um papel mais relevante, emitindo decisões preliminares ou auxiliando na triagem de casos. No entanto, em processos que envolvem direitos fundamentais, crimes graves ou disputas de alta complexidade, a intervenção humana continua sendo essencial.
Sistemas automatizados poderiam, por exemplo, processar grandes volumes de informações, oferecer soluções baseadas em precedentes e até sugerir acordos conciliatórios, mas a decisão final deveria ser tomada por um magistrado. Esse modelo híbrido permite que a IA atue como uma forma de otimizar o tempo dos juízes, ao mesmo tempo em que garante que a análise subjetiva e a capacidade interpretativa humana sejam preservadas em casos que exigem maior sensibilidade.
Além disso, a presença humana serve como um mecanismo de controle sobre as falhas que podem surgir nos sistemas de IA. Erros algorítmicos ou vieses nos dados de treinamento podem gerar decisões injustas, e a supervisão humana é necessária para identificar e corrigir essas falhas. A IA, portanto, pode ser um recurso valioso para melhorar a eficiência do Judiciário, mas não deve, em hipótese alguma, substituir a função interpretativa e subjetiva que é exclusiva dos juízes.
8. Viabilidade de um Sistema Automatizado
A introdução de sistemas de Inteligência Artificial (IA) no Judiciário apresenta uma oportunidade valiosa para modernizar e agilizar o processamento de litígios, especialmente em casos de menor complexidade. Contudo, a implementação de uma justiça automatizada exige um estudo detalhado sobre a viabilidade técnica, jurídica e ética, além da consideração de quais tipos de litígios são mais adequados para serem julgados por sistemas de IA e quais permanecem fora do alcance dessa tecnologia.
8.1 Casos de Menor Complexidade
A automação judicial, por meio de IA, pode ser particularmente útil em casos que envolvem litígios repetitivos ou ações de menor complexidade, como questões relacionadas ao direito do consumidor, pequenas causas, ou processos administrativos. Esses tipos de litígios frequentemente envolvem uma carga processual pesada e demandam decisões baseadas em jurisprudências estabelecidas e parâmetros legais simples, onde a intervenção subjetiva do juiz é reduzida.
Por exemplo, em ações de reparação de danos decorrentes de problemas em produtos ou serviços, a IA poderia analisar a descrição do caso, as provas apresentadas, e emitir uma decisão baseada em casos similares. Nesses processos, o volume de dados é muitas vezes repetitivo, e a aplicação da lei costuma seguir um padrão pré-definido, o que torna a automação viável e até mesmo desejável para reduzir a carga sobre o Judiciário.
Sistemas de IA já estão sendo usados em países como a Estônia, onde os tribunais empregam ferramentas de automação para decidir ações de pequenas causas e disputas de consumo de maneira rápida e eficiente. No Brasil, um dos maiores problemas do Judiciário é o acúmulo de processos e a morosidade na resolução de litígios. A automação poderia aliviar significativamente esse problema ao agilizar o processamento de ações de massa, como execuções fiscais e cobranças judiciais.
8.2 Ferramentas de Triagem e Suporte ao Juiz
Além da emissão de decisões, a IA pode desempenhar um papel importante na triagem de processos e na assistência ao juiz. Em processos mais complexos, onde a intervenção humana é indispensável, a IA pode ser usada para organizar as provas, classificar documentos, e sugerir precedentes jurídicos relevantes para o caso. Isso pouparia um tempo significativo dos juízes e advogados, que poderiam se concentrar na análise interpretativa e na decisão final.
Outra aplicação da IA que tem se mostrado viável é a conciliação automatizada. Antes de formalizar a ação judicial, a IA poderia sugerir um acordo com base em decisões anteriores e em parâmetros jurídicos, promovendo a resolução de litígios sem a necessidade de um julgamento. Esse tipo de sistema já foi testado em algumas plataformas de resolução de disputas online (ODR), onde as partes são guiadas por um assistente virtual até uma proposta conciliatória. Caso ambas as partes concordem, o processo é encerrado sem necessidade de intervenção judicial.
Porém, a ideia de um sistema de justiça totalmente automatizado, sem a presença de um juiz em casos mais complexos, encontra limitações técnicas e éticas. Enquanto a automação pode ser viável em processos simples e de grande volume, a mesma eficiência não se aplica a litígios que envolvem questões morais, sociais ou emocionais, onde a intervenção humana continua a ser essencial.
8.3 Limitações da IA em Litígios Complexos
Embora a IA tenha o potencial de transformar o tratamento de litígios simples, sua aplicação em processos complexos é consideravelmente mais limitada. Casos que envolvem interpretação jurídica, conflitos de interesse, ou circunstâncias atenuantes são áreas onde o julgamento humano ainda desempenha um papel crucial. Por exemplo, litígios relacionados a disputas familiares, crimes de maior gravidade ou questões constitucionais dependem de uma análise minuciosa que exige a sensibilidade e a experiência de um juiz humano.
A IA, por mais avançada que seja, enfrenta dificuldades ao lidar com casos que não podem ser definidos apenas por padrões preexistentes. Em litígios inéditos ou que envolvem questões subjetivas complexas, a automação pode não ser capaz de processar as nuances emocionais e sociais do caso. Além disso, as decisões de IA em casos complexos podem ser limitadas por vieses presentes nos dados usados para treinar os algoritmos, o que pode comprometer a imparcialidade do julgamento.
Para lidar com esses limites, uma abordagem mais viável seria a de um modelo híbrido, onde a IA atuaria como uma ferramenta de suporte ao juiz, realizando tarefas como a análise de documentos e a proposição de soluções iniciais, enquanto a decisão final seria sempre ratificada por um magistrado. Esse modelo preserva o papel da intervenção humana, ao mesmo tempo em que utiliza a IA para melhorar a eficiência do sistema judicial.
8.4 Conclusão sobre a Viabilidade
A implementação de sistemas automatizados no Judiciário brasileiro é viável e benéfica em litígios repetitivos e de baixa complexidade, onde as decisões podem ser padronizadas e baseadas em precedentes. No entanto, para casos mais complexos e com implicações subjetivas, a IA deve ser utilizada como uma ferramenta complementar, jamais como substituta da análise humana. O modelo mais adequado para o futuro da justiça é aquele em que a automação serve para otimizar o trabalho dos juízes, sem eliminar a presença humana nas decisões mais delicadas.



9. Resultados e Discussão
A análise da justiça automatizada revela tanto benefícios significativos quanto limitações importantes, especialmente no contexto da utilização de Inteligência Artificial (IA) no judiciário. Os resultados apresentados neste estudo baseiam-se em uma combinação de pesquisa bibliográfica, análise de casos e uma reflexão crítica sobre os desafios éticos e técnicos previamente discutidos. Para enriquecer esta discussão, vamos incluir exemplos práticos de sistemas de justiça automatizada que já estão em funcionamento.
Benefícios Potenciais da IA na Justiça
9.1. Agilidade e Eficiência no Sistema Judiciário
Um dos principais benefícios da implementação de IA no sistema judiciário é a agilidade no processamento de ações repetitivas e de baixa complexidade, que constituem grande parte do volume de processos nos tribunais brasileiros. A IA pode ser usada para automatizar decisões em ações de pequenas causas, processos administrativos, litígios de consumo, entre outros, permitindo que essas ações sejam resolvidas de forma mais rápida e eficiente. Isso pode aliviar significativamente a sobrecarga de processos no sistema judiciário, reduzindo os prazos de tramitação e aumentando a capacidade do Judiciário de lidar com casos mais complexos.
9.2. Democratização do Acesso à Justiça
A justiça automatizada também pode promover a democratização do acesso à justiça, tornando o sistema mais acessível a cidadãos que, de outra forma, não teriam condições financeiras ou conhecimento técnico para iniciar ou acompanhar uma ação judicial. Com a IA facilitando o ingresso de ações e a condução de processos, cidadãos com menos recursos podem ter suas demandas analisadas de maneira eficiente e equitativa. Isso é especialmente importante em disputas de baixo valor, onde o custo de um litígio pode ser proibitivo em um sistema tradicional.
9.3. Redução de Custos
A utilização de IA no Judiciário pode reduzir significativamente os custos operacionais do sistema judicial, tanto para o Estado quanto para as partes envolvidas no processo. Ao automatizar tarefas repetitivas, como a análise preliminar de provas e a emissão de decisões em casos simples, o Judiciário pode economizar recursos que seriam destinados a essas atividades, permitindo um uso mais eficiente dos recursos humanos. Da mesma forma, para os cidadãos, o custo de acesso à justiça pode ser reduzido, uma vez que a automação pode simplificar o processo e eliminar a necessidade de advogados em determinadas ações de baixa complexidade.
9.4. Uniformidade nas Decisões
Outra vantagem da IA é a possibilidade de uniformizar as decisões judiciais, eliminando variações interpretativas que podem ocorrer entre diferentes juízes. A IA, ao ser treinada com base em precedentes jurídicos e jurisprudências estabelecidas, pode garantir que decisões semelhantes sejam tomadas em casos com características similares, promovendo maior consistência no sistema judicial. Isso pode evitar a discrepância de julgamentos que, muitas vezes, gera incertezas e insegurança jurídica.
Exemplos de Sistemas de Justiça Automatizada
Para ilustrar os benefícios e as limitações da justiça automatizada, é importante mencionar exemplos de sistemas que já estão em funcionamento e que oferecem insights valiosos sobre a aplicação de IA no Judiciário.
9.5. Estônia: O Sistema e-Justice
A Estônia é um dos países que mais avançaram na implementação de sistemas de justiça automatizada. O país possui um sistema chamado e-Justice, que integra diversos serviços jurídicos online, permitindo que cidadãos e advogados acessem informações processuais, apresentem petições e acompanhem o andamento de seus processos de forma digital.
Esse sistema automatizado tem contribuído para reduzir a carga de trabalho dos tribunais e acelerar o tempo de resolução de litígios. Além disso, a Estônia utiliza algoritmos para ajudar a prever a probabilidade de êxito em ações judiciais, permitindo que as partes decidam sobre a viabilidade de seus casos antes de ingressar com uma ação. Essa abordagem tem demonstrado resultados positivos em termos de eficiência e acessibilidade.
9.6. Canadá: O Sistema de Previsão de Recidiva
No Canadá, o sistema judicial tem utilizado ferramentas de IA para avaliar a recidiva de infratores. Um exemplo notável é o uso de algoritmos que analisam dados de histórico criminal, comportamentos e outros fatores para prever a probabilidade de um indivíduo reincidir em crimes. Essa análise é utilizada por juízes para tomar decisões sobre a concessão de fianças e medidas de reabilitação.
Embora essa prática tenha o objetivo de melhorar a segurança pública e otimizar as decisões judiciais, ela também levanta questões sobre a possibilidade de viés algorítmico, uma vez que os dados históricos podem refletir desigualdades sociais e raciais. Assim, a implementação deste sistema destaca a necessidade de auditorias constantes e transparência na utilização de algoritmos de IA.
Limitações e Riscos Identificados
9.7. Falta de Empatia e Subjetividade
Apesar dos benefícios, a IA enfrenta sérias limitações, especialmente no que diz respeito à subjetividade e à empatia nas decisões judiciais. O processo judicial muitas vezes envolve não apenas a aplicação técnica da lei, mas também a consideração de fatores humanos, emocionais e morais que influenciam o julgamento. Como discutido anteriormente, a IA, por sua natureza algorítmica, não é capaz de captar esses aspectos mais subjetivos, o que pode resultar em decisões mecanicamente corretas, mas eticamente questionáveis.
Essa limitação é particularmente evidente em litígios de alta complexidade, como disputas familiares, crimes violentos ou casos que envolvem direitos humanos, onde a análise das provas e dos fatos requer um julgamento subjetivo que vai além da aplicação direta de jurisprudências. Nesses casos, a intervenção humana continua sendo essencial para garantir que as decisões não se limitem à interpretação fria dos dados, mas considerem também os valores sociais e morais envolvidos.
9.8. Risco de Vieses Algorítmicos
O viés algorítmico também representa um risco significativo para a justiça automatizada. Sistemas de IA são treinados com base em dados históricos, e se esses dados contêm preconceitos sociais ou discriminações passadas, a IA pode reproduzir esses vieses em suas decisões. Esse é um problema grave, pois pode comprometer a imparcialidade e a justiça das decisões automatizadas, especialmente em contextos onde as discriminações históricas podem ser reproduzidas.
Para mitigar esse risco, é essencial que os algoritmos sejam cuidadosamente desenvolvidos e auditados, garantindo que sejam treinados com dados diversificados e que incluam mecanismos de controle para identificar e corrigir vieses. Além disso, a transparência nas decisões automatizadas é fundamental para que as partes possam entender como a IA chegou a uma determinada conclusão e, se necessário, questionar essa decisão.
9.9. Falta de Transparência e Explicabilidade
Outra limitação significativa da justiça automatizada é a falta de transparência nos algoritmos utilizados para tomar decisões judiciais. Muitos sistemas de IA operam como caixas-pretas, o que significa que as decisões são tomadas com base em algoritmos complexos que não são facilmente compreensíveis por seres humanos. Essa falta de explicabilidade pode comprometer o princípio da motivação das decisões, previsto na Constituição, que exige que as partes envolvidas compreendam o raciocínio por trás de uma decisão judicial.
Sem a capacidade de explicar como e por que uma determinada decisão foi tomada, o sistema de justiça pode perder a confiança do público, e as partes podem se sentir injustiçadas, especialmente em casos onde a decisão automatizada vai contra suas expectativas ou interesses. Para resolver esse problema, é necessário que os sistemas de IA sejam desenvolvidos de forma a garantir explicações claras e compreensíveis sobre os fatores que influenciaram cada decisão.
9.10. Dependência Excessiva da Tecnologia
A implementação de IA no Judiciário também pode gerar uma dependência excessiva da tecnologia, o que é preocupante em cenários onde os sistemas enfrentam falhas técnicas, bugs ou até mesmo ciberataques. Em situações críticas, a paralisação dos sistemas de IA pode prejudicar o andamento de processos, atrasar julgamentos e comprometer a eficácia do sistema judicial como um todo.
Para evitar essa dependência, é importante que a implementação da justiça automatizada seja acompanhada de mecanismos de contingência e intervenção humana, que possam atuar em caso de falha do sistema automatizado. A redundância tecnológica e a segurança cibernética também devem ser priorizadas para garantir que o Judiciário mantenha sua integridade e operacionalidade, mesmo diante de problemas técnicos.
Discussão
Os resultados indicam que a justiça automatizada tem um grande potencial para melhorar a eficiência, democratizar o acesso e reduzir os custos no sistema judicial, mas também há desafios substanciais que precisam ser superados. A IA pode ser extremamente útil em processos de baixa complexidade, onde as decisões são mais padronizadas, mas enfrenta limitações éticas e técnicas ao lidar com litígios complexos que envolvem questões subjetivas e morais.
A discussão sobre a responsabilidade pelas decisões automatizadas, a transparência dos algoritmos e o risco de vieses é essencial para garantir que a IA seja utilizada de forma justa e imparcial. Para que a justiça automatizada seja implementada com sucesso, é necessário um modelo híbrido, onde a IA atue como um suporte ao juiz, mas nunca substitua totalmente o julgamento humano, especialmente em casos mais complexos.
10. Conclusão
Este estudo examinou a viabilidade e os desafios da implementação de Inteligência Artificial (IA) no sistema judiciário brasileiro, propondo o uso da justiça automatizada como uma solução para aumentar a eficiência e acessibilidade do Judiciário, especialmente em casos de baixa complexidade. Com base na análise teórica e nos exemplos práticos de uso de IA em sistemas judiciais internacionais, podemos concluir que a automação judicial traz grandes benefícios, mas também exige cuidados significativos no que diz respeito aos desafios éticos, técnicos e legais.
10.1 Síntese dos Achados
Os principais benefícios da justiça automatizada são evidentes: maior agilidade na resolução de litígios simples, redução da sobrecarga de processos, e maior democratização do acesso à justiça. A utilização de IA pode agilizar o julgamento de ações repetitivas, como pequenas causas e disputas de consumo, fornecendo soluções rápidas e padronizadas com base em precedentes e jurisprudência. Isso não apenas alivia a carga dos tribunais, como também reduz os custos processuais, beneficiando o Estado e os cidadãos.
No entanto, as limitações da justiça automatizada também são claras, principalmente no que se refere à análise subjetiva e ao julgamento de casos complexos. A IA é incapaz de compreender nuances emocionais, sociais e morais, o que é essencial em muitos litígios. Além disso, o viés algorítmico e a falta de transparência nos sistemas automatizados representam um risco para a imparcialidade das decisões judiciais, especialmente em contextos onde as discriminações históricas podem ser reproduzidas. A dependência excessiva da tecnologia e a falta de explicabilidade nas decisões também comprometem a confiança pública no sistema automatizado.
10.2 Recomendação de Modelo Híbrido
Dada a análise dos benefícios e limitações, recomenda-se a implementação de um modelo híbrido de justiça automatizada, onde a IA atua como uma ferramenta de suporte ao juiz, especialmente em processos de menor complexidade. A intervenção humana deve ser mantida em todos os casos onde há questões subjetivas, conflitos morais, ou direitos fundamentais em jogo. Essa abordagem híbrida permitiria que a IA processasse dados e sugerisse decisões, mas garantiria que o julgamento final fosse sempre feito por um juiz, assegurando assim que os princípios éticos e as garantias constitucionais sejam preservados.
Esse modelo seria especialmente útil para resolver litígios de massa e disputas repetitivas, onde a intervenção do juiz é, muitas vezes, formal. A IA poderia atuar na triagem de processos, análise de provas e sugestão de conciliação, enquanto os juízes continuariam a exercer sua função interpretativa e de análise subjetiva em casos mais complexos. Além disso, a auditoria constante dos algoritmos e a transparência nas decisões automatizadas são essenciais para evitar erros e garantir que a justiça seja verdadeiramente equitativa.
10.3 Perspectivas Futuros e Desafios
O futuro da justiça automatizada no Brasil dependerá de uma adaptação legislativa cuidadosa e de uma implementação tecnológica que respeite os direitos fundamentais dos cidadãos. As alterações propostas na Constituição Federal, no Código de Processo Civil e no Código Penal são essenciais para permitir a atuação da IA no sistema judicial de maneira compatível com o Estado Democrático de Direito. Além disso, as regulamentações devem garantir que a IA seja utilizada com segurança e que os direitos ao contraditório, à ampla defesa, e ao devido processo legal sejam sempre assegurados.
A adoção de tecnologias de proteção de dados, como a criptografia e o uso de blockchain para garantir a integridade dos processos, também é um fator crítico para o sucesso da justiça automatizada. A LGPD deve ser rigorosamente aplicada, e a supervisão humana deve garantir que, em casos de falha técnica ou decisão injusta, a IA possa ser corrigida e ajustada de acordo com os princípios de equidade e imparcialidade.
Finalmente, o uso da Inteligência Artificial no Judiciário representa uma mudança disruptiva que traz tanto oportunidades quanto riscos. Seu sucesso depende da criação de um sistema equilibrado que combine a eficiência da automação com a sabedoria humana, garantindo que o sistema de justiça se modernize sem comprometer seus princípios fundamentais.
10.4 Conclusão Final
A justiça automatizada com o uso de IA pode transformar profundamente o sistema judicial, tornando-o mais eficiente, acessível e economicamente viável. No entanto, sua implementação requer uma abordagem cuidadosa, que equilibre o uso da tecnologia com a necessidade de manter a humanização e a subjetividade do julgamento judicial. A supervisão humana será sempre essencial para garantir que o uso da IA respeite os princípios éticos e os direitos constitucionais. O futuro da justiça automatizada no Brasil dependerá da capacidade de criar um sistema híbrido que aproveite os benefícios da IA, sem perder de vista a centralidade do juiz humano na aplicação das leis e na garantia dos direitos fundamentais.
Autores

Mariana Gonçalves

Rodrigo Rey
Técnico em Processamento de Dados, Desenvolvedor Web, Analista de Sistemas e Administrador de Banco de Dados. Estudioso de crimes digitais e LGPD.
Estudante de Direito 3º Semestre – UNIMES